O teste da cara-de-pau em supermercado da Marginal Pinheiros e outros locais

Fotos Raul Zito

Uma psicóloga sem deficiência alguma pára no Extra da Marginal Pinheiros, sábado (26), 17h30: “É uma questão de praticidade. Faço umas comprinhas e não tenho de empurrar o carrinho até lá longe”

Sábado, 26 de abril. Em apenas 45 minutos, sete carros utilizaram quatro vagas reservadas para deficientes físicos no estacionamento do hipermercado Extra da Marginal Pinheiros. Nenhum dos motoristas tinha problema de mobilidade. Era só cara-de-pau mesmo. Desde 1992, uma lei municipal exige que estacionamentos coletivos com mais de dez vagas reservem 3% delas para deficientes físicos. Muita gente que usa esses espaços indevidamente considera a porcentagem exagerada. Não é. Na cidade de São Paulo, calcula-se que existam 416 000 pessoas com algum tipo de deficiência física ou motora, ou seja, 4% dos 10,8 milhões de habitantes do município. “O porcentual de vagas é proporcional ao da população com deficiência”, diz Silvana Cambiaghi, arquiteta da prefeitura especializada em acessibilidade. “Levamos em conta ainda os cadeirantes que visitam a cidade para tratamento ou para lazer.”

Integrante do coro da Osesp, no estacionamento da Sala São Paulo, domingo (13), 17h15: “Como o concerto começou, quem precisa dessa vaga já deve ter chegado”

Grávida de quatro meses no Shopping Market Place, sábado (26), 18h15: ela poderia estacionar em uma das quatro vagas preferenciais para gestantes disponíveis

Hoje, quem decide desrespeitar o próximo e parar nessas vagas não sofre nenhuma punição. Isso porque os agentes da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) não podem autuar em locais privados, e os seguranças dos prédios não têm poder de polícia para multar os motoristas espertalhões. A vereadora Mara Gabrilli (PSDB), tetraplégica há treze anos, quer acabar com esse tipo de incivilidade. Ela é autora de um projeto de lei – aprovado na Câmara e à espera de sanção do prefeito Gilberto Kassab – que prevê multa de 1 000 reais ao estabelecimento por veículo estacionado irregularmente. “Eu acho um absurdo ter de propor uma lei dessas”, afirma Mara. “As pessoas deveriam ser guiadas pelo bom senso.” A idéia é que os shoppings, hipermercados, teatros e outros locais passem a fiscalizar quem pára em suas dependências. Todo carro que estiver sem o cartão DeFis, emitido pelo Departamento de Operação do Sistema Viário (DSV) aos portadores de deficiência física permanente ou temporária, e estacionar em vagas reservadas será considerado fora da lei. Assim como já acontece nas 356 vagas especiais disponíveis nas ruas paulistanas. Em vias públicas, a permanência do veículo sem o cartão é passível de multa de 53,20 reais.





Carro deixado em frente a duas vagas demarcadas no Center Norte, sábado (12), 17h: “O shopping não tem poder legal para multar ou coibir esse tipo de desrespeito”, diz, em nota, a administração

Depois de abordado pela reportagem, o motorista retirou o veículo da vaga especial no Center Norte, sábado (12), 14h45: “Não tinha visto que era para deficientes”

“É uma questão de praticidade. Faço umas comprinhas e não tenho de empurrar o carrinho até lá longe”, disse uma mulher que se identificou como psicóloga e estacionou em uma das vagas reservadas do Extra da Marginal Pinheiros, no sábado 26. “Esses locais estão sempre vazios”, afirmou um homem que havia parado ali pouco antes. No hipermercado, das 1 300 vagas, quarenta são destinadas aos deficientes físicos. “O desrespeito faz com que muitos de nós deixemos de sair às ruas”, diz Mara. Das 7 000 vagas do Shopping Center Norte, 111 são exclusivas para portadores de deficiência. A sinalização é boa, mas uma parte da clientela finge que não vê. No sábado 12, Veja São Paulo flagrou dez atos de desrespeito em uma hora. Em nota oficial, a administração afirma que “a equipe do shopping é treinada para orientar o cliente, conscientizando-o para que as vagas sejam utilizadas corretamente, mas não tem poder legal para multar”.

Supermercado Sonda, na Água Branca, sábado (26), 15h: carrinhos virados impedem o estacionamento irregular. “Eles esperam que eu desça e tire o carrinho de lá?”, pergunta Andrea Schwarz, paraplégica há dez anos

As vagas exclusivas não são um privilégio ou capricho. “Trata-se de uma necessidade”, diz Andrea Schwarz. Paraplégica, ela é consultora em acessibilidade e autora do livro Guia São Paulo Adaptada. “Se eu pudesse, pararia o carro em qualquer outro lugar.” Não é por acaso que as vagas destinadas a deficientes físicos são maiores que as comuns – cada uma precisa ter 3,5 metros de largura por 5,5 de comprimento. As medidas permitem que a porta do carro seja completamente aberta e garantem conforto para sair e entrar. Há ainda uma faixa adicional, geralmente demarcada com listras, com largura mínima de 1,2 metro, para a circulação de cadeiras de rodas. Ou seja, não é um espaço a mais para folgados largarem o carro. Essas vagas devem ainda estar localizadas próximo da entrada principal e em área de piso nivelado, firme e estável. A desculpa mais comum daqueles que estacionam em espaços destinados a deficientes é que ficarão ali “apenas cinco minutinhos”. O que eles esquecem é que esse tempo pode fazer diferença. Se um deficiente físico chegar naquele exato momento, não conseguirá desembarcar. E vai constatar que parte da sociedade ainda o exclui.

Fonte: Veja São Paulo





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